
Por que não apareceu outro Tom?
Uma Jornada no Mercado da Música no Brasil e no Mundo
R$74.90
Lipe Portinho intitulou com propriedade esse extraordinário livro. Digo extraordinário pela coragem de apontar as causas do porquê não apareceu outro Tom, pela profundidade da pesquisa que sustenta seu argumento e pela justeza de sua causa. Lipe rema contra a maré, como fez Roberto Campos em boa parte de sua vida pública. Que maré é essa contra a qual se rebela Lipe?
Cristalizou-se aqui e em boa parte do mundo a ideia que o “mercado” massifica e coisifica a cultura, subvertendo a “função social” da cultura e da produção musical, abordado no livro. Não é de hoje. Quando Milton Friedman expôs, nos idos de 1970, de forma conclusiva e irretocável, que a única função social da empresa é dar lucro para seus acionistas, levantaram-se vozes de indignação na academia, na política e na imprensa soi disant “bem pensante”. A empresa deveria atender seus acionistas e também seus stakeholders. Esqueceram que a empresa é a organização em que os recursos escassos que a sociedade lhes confia devem ser utilizados com a maior produtividade possível, atendendo os interesses dos acionistas e de seus empregados, cujo ganha-pão decorre dos lucros reinvestidos. Sempre que os interesses de outros stakeholders adicionarem lucro serão levados em conta e atendidos pelas empresas.
A produção cultural é uma atividade econômica como outra qualquer. O consumidor, ao contrário do que muitos pensam, é o soberano, determinando o que é produzido e expulsando do mercado aqueles que contrariam suas expectativas e vontade. Não existe essa personificação do “mercado”, uma ficção para denominar o encontro das vontades dos compradores e a atividade dos produtores de bens e serviços.
A demonização do mercado como fizeram Adorno e Horkheimer ignora que algumas das manifestações da cultura de massas, como os desfiles de escolas de samba e os jogos de times profissionais de futebol e outros esportes, têm por trás e requerem uma atividade empresarial complexa e cara que as sustentam. A “indústria cultural”, no que chamam de sociedades massificadas que tanto abominam, são exclusivamente dependentes da vontade dos consumidores manifestada no mercado. Não se trata, como pensam, de um fator primordial na formação de “consciência coletiva nas sociedades massificadas”, mas simples e prosaicamente do atendimento de demandas da sociedade manifestadas no mercado da cultura.
A “Indústria Cultural” não é necessariamente “um fator primordial na formação de consciência coletiva nas sociedades massificadas”, exceto quando o Estado a subordina com incentivos que a dirigem para seus próprios objetivos de proselitismo político. Nesse caso, de fato “nem de longe seus produtos são artísticos” e buscam, infrutiferamente, apresentar-se como “único poder de dominação e difusão de uma cultura de subserviência”. Mesmo quando busca direcionar a cultura em todas as suas manifestações, não é capaz de “transformar os indivíduos em seu objeto”.
Lipe observou com propriedade que mesmo o grande Mozart não foi capaz de adaptar-se às mudanças dos gostos dos consumidores e morreu na miséria. O mesmo aconteceu com o maior músico de todos os tempos, Johann Sebastian, para ser descoberto graças a Mendelssohn em 1829, 79 anos após sua morte, atendendo ao gosto dos consumidores que o trouxeram de volta às salas de concerto, aos CDs e aos sites de streaming. Ouvimos novamente Palestrina e canto gregoriano pela mesma razão e pela vontade autônoma de milhões de apreciadores. E, mais extraordinário, Bach, Mozart, Palestrina e canto gregoriano ocupam seu lugar junto com a música funk e outras manifestações musicais de nosso tempo e que a liberdade de escolha individual, de indivíduos autônomos, não pode nem deve ser confundida com essa categoria mitológica de “massa” como se fosse mais uma abstração, a principal das quais é o conceito de “classe”.
Parabéns, Lipe, pela obra, erudita na argumentação e agradável na leitura, como devem ser todas as grandes obras.
Roberto Fendt é economista
Orquestra de Bolso
